terça-feira, 17 de julho de 2007

Língua de jornalista

Um amigo jornalista defende a tese de que seus colegas não fazem o jornal dirigido aos leitores, mas para os próprios jornalistas. Dou-lhe razão na medida em que encontro expressões que os repórteres usam para dar satisfação aos colegas, os leitores que se adaptem ao seu linguajar. Exemplos disso nos jornais de hoje.

Já disse aqui, a repeito dos assunto, que é a novilíngua dos jornalistas, aquele sistema idealizado na obra de Orwel. A língua como dominação. O mais chato é a argumentação, baseada sempre num raciocínio literal, linear, curto, obtuso, e uns floreios de lógica de botequim. Volto ao assunto adiante.

Palavra que está em desuso é "continuar", tudo agora segue. Como nestes três exemplos da capa do Diário:

A situação no local segue inalterada.
A seleção feminina de vôlei do Brasil segue 100% no Pan.
Sem solução no momento, o ato segue por tempo indeterminado.

E na manchete da p.17
Meninas seguem com 100%

e seguem rumo à medalha

Jornalismo é precisão. A mesma atenção com que emprega números numa informação deve ter na escolha das palavras. O vocábulo "seguir" é por demais polissêmico para usarmos com tanta freqüência em notícias. Há 25 signicações para o verbete no Aurélio. O sentido empregado nos textos jornalísticos é o décimo terceiro a ser citado no dicionário. Nem se fosse o primeiro, não justifica tanta repetição.

Também tenho uma tese. Essas estranhezas se originam na falta de talento de quem faz título. Desafiado para colocar palavras num pequeno espaço, procura assemelhadas que caibam ali, mesmo que o sentido não seja idêntico. Vai deturpando a essência das palavras. Aí, uns bocós acham bonito, pensam que é um charme no texto e tacam a repetir a bobagem.

Estes, porém, são de outra natureza, uma certa inteligenztia (todas e todos) passou a fazer revisões de expressões consagradas. Os imbecis da objetividade decretaram o fim do risco de vida (isso seria ótimo, né?). O argumento, vou repetir o comentário de leitor, que achou por bem não se identificar.

Risco de vida todos querem correr. Não se trata de "coisa de jornalista metido a besta, os idiotas da objetividade", mas do correto.

Quem é que quer correr risco de vida, meu Deus? Ele esbravejou e disse que o correto é risco de morte. O argumento é idiota porque esqueceu que a língua tem sua própria lógica, tem história, tem cultura, é assim que o homem vem se expressando. Se quisesse seguir o padrão "cartesiano" que tentam apresentar, a expressão "risco de vida" teria que ser trocada para "risco de morrer". É mais literal, mais a ver com esse tipo de raciocínio.

Todo mundo fala correr risco de vida. Até mesmo os jornalistas. Agora, na hora de escrever...
O que os coleguinhas vão dizer? ( A Folha defende a expressão, segundo me disseram). Então, passam a usar risco de morte, não como alternativa mas em exclusão a risco de vida. Não se preocupam com os leitores. Isso revela, como diria, arrogância.
Novilíngua total.

O mau exemplo da capa do Diário é este:

Cinco pessoas ficaram feridas, mas sem risco de morte.

Tenho a impressão de que o autor forçou o texto para mostrar pros coleguinhas: "olha, eu também uso risco de morte".

O mau exemplo do Povo está na p. 12:
o paciente corre risco de morte.

3 comentários:

Anônimo disse...

O certo então é escrever risco de vida só para mostrar que não está nem aí para o que dizem estar correto? O problema é todo mundo achar que a pessoa está escrevendo errado e não em protesto. Já sei: o ideal é escrever risco de morte ou de vida, acompanhado de uma explicação entre parênteses. Algo assim: risco de morte (porque risco de vida está errado) ou então risco de vida (iêi, eu sei que está errado, mas escrevo assim pra mostrar que não estou nem aí para o que os outros pensam; além do mais, todo mundo sempre falou assim). Resolvido o problema.

Anônimo disse...

Idiota são pessoas como você que, frustradas por não serem jornalistas, arvoram-se de palmatória das redações. Como se diz: "você estava indo tão bem"...

André Carvalho disse...

Engraçadinho o primeiro anônimo, gostei. Bom texto. Com mais exercício, chega lá. Mas demonstrou uma premissa falsa. Não preciso escrever risco de vida só para dizer que não dá bola para isso ou aquilo etc. etc. Não, não, não. Somente porque foi sempre assim que se disse e que o público entende muito bem. Simplicidade, só isso.

E, aliás, até aceito o termo (de nariz tapado), mas excluir o outro é estupidez. Puramente.

Enfezadinho o segundo anônimo. Deve ser jornalista e se acha. Não me arvoro palmatória das redações. E nem me acho acho frustrado por não ser jornalista. Ou será? Sei lá.

De qualquer forma, um conselho. Estudem sobre assunto para não ficar apenas na opinião. É só uma sugestãozinha.

Sejam bem-vindos, amigos.