quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Sobre judiação

Um jornalista me enviou email dando conta de que, apesar da explicação do rabino Henry Sobel, ele continua achando ofensivos aos judeus os termos judiar, judiação. Por isso, volto ao assunto.

Primeiro, quero declarar que não sou judeu, apenas admirador do povo que forneceu os quatro pontos cardeais que dirigem e iluminam nossa civilização: Cristo, Marx, Freud e Einstein.

Convidou-me a ler artigo através de um link e antecipou trecho do artigo em que se tenta desqualificar a autoridade do rabino para opinar sobre o assunto, pois ele não teria muita intimidade com o idioma.

Antes do resumo do artigo em contraponto, republico as palavras do rabino.


"O significado está claro: não há nada de pejorativo. Não fomos nós que maltratamos. Nós, os judeus, fomos maltratados. E cada vez que usamos a palavra 'judiar', estamos conscientizando os outros. O termo não deve ser eliminado. Pelo contrário, é bom que o mundo se lembre do preconceito do passado, para que não o permita no presente e no futuro"


CONTRAPONTO

Samuel Szerman:
“De princípio gostaria de declarar que não sou autoridade em português. Sou apenas um pouco mais curioso e interessado em conhecer o idioma que a média das pessoas. Meu maior interesse no estudo de nossa língua é a semântica.

O articulista se declara, também, sem autoridade em português.

Poucos sabem disso, aí incluindo os próprios judeus, mas judiar significava "maltratar os judeus". Era um verbo intransitivo. O objeto direto estava subentendido. Hoje, judiar, pela semelhança do vocábulo com judeu, judia, Judas e Judá, cria uma natural associação de idéias, considerando o judeu como o agente da crueldade.

Natural associação de idéias é claro exagero. Não creio que se faça a associação. Alguns, como Ferreira Gullar, dizem que remete ao ato de maltratar o Judas no Sábado de Aleluia. Em vez de apenas mais uma etimologia fantasiosa, a explicação do poeta pode se defender. Está muito longe o período em que se maltratavam judeus por questões étnicas ou religiosas. Mais próximo e popular, a malhação. Campo para o estudo da semântica.

O argumento da “associação natural” só se justificaria se houvesse um fenômeno a partir do qual os judeus, de vítima histórica, teriam passado a condição de algoz contemporâneo. Desconheço.

Curiosidade: Tornou-se verbo transitivo indireto. "Judiaram dele". É claro que, se o verbo pede um complemento, na afirmação, está subentendido o agente. A palavra já está tão arraigada no uso popular que há quem nem faça a associação. Entretanto, a ofensa aos judeus permanece. É subliminar. Contribui enormemente para incrementar o anti-semitismo.

Essa última frase foi mais um culto ao exagero. Se o autor é apaixonado por semântica, vai entender a evolução da língua. No início, significava maltratar os judeus. Na evolução, maltratar como se maltratavam os judeus. A partir dessa associação, passou a exigir um complemento. Pois se já não se maltratavam os judeus, o objeto que recebe a ação precisaria ser nominado, já que não estava mais subentendido. Simples, é a dinâmica da língua.

Judiação pede menos explicação. É um derivado gramaticalmente correto de judiar. Gramaticalmente. Politicamente, NÃO!

Essa frase mostra uma contradição fatal para o comentário que vem logo a seguir.

Aqui explico que a discussão sobre o sentido pejorativo ou não dos termos na berlinda não é uma questão doutrinária ou religiosa. É do idioma. É gramatical. Para se obter uma base, não se consulta o rabino, e sim, o professor ou o entendido em português. Por maiores que sejam meu respeito e minha consideração pelo rabino Henry Sobel, lembro que ele, apesar de lisboeta de nascimento, é americano e sua língua materna é o inglês. "

Perceberam? Para desqualificar o rabino, um gramático. Antes, porém, ele afirmara que o termo é gramaticalmente correto. E acrescenta com um grito: Politicamente, NÂO. Se gramaticalmente está correto, precisamos agora de mais alguém para opinar sobre outro aspecto. O gramatical, já não se discute.

O termo judeu não se restringe a uma nacionalidade, a uma religião também. O rabino tem maior autoridade para falar de ofensas a judeus pois abrange as duas dimensões: a nacionalidade e a religião.

Ninguém nem se lembra dessa associação, a patrulha do politicamente correto é que chama a atenção. Daqui a pouco a paranóia vai acusar a patrulha de cometer também um outro tipo de anti-semitismo.

E o debate vem num momento em que o presidente do Irã quer negar a existência do holocausto. É bom lembrar o quanto os judeus sofreram, para evitar que isso se repita. Jamais.


Samuel Szerman, presidente da ACIB - Associação Cultural Israelita de Brasília, é Relações Públicas da Petrobrás aposentado.
O texto completo está aqui. http://www.visaojudaica.com.br/Fevereiro2005/artigos/15.htm

Leia também o post abaixo Ombudsman do Povo

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